A chegada ao aeroporto não foi fácil, porque não tínhamos dinheiro para pagar o táxi, os nossos cartões foram todos rejeitados e o condutor não nos queria deixar levantar dinheiro até saber se lhe íamos pagar o tempo de espera - que, obviamente, não pagámos. Pior ainda foi quando chegámos ao check in e o Gonçalo percebeu que não tinha o BI com ele e não pôde embarcar. Após considerar as várias hipóteses, decidimos que eu partia sozinha e o Gonçalo mudou o vôo para daí a 12h - sempre aproveitou para dormir um pouco!
Samedi, le 15 septembre
Assim que embarquei, na última fila que os lugares não eram marcados, pedi um copo de água que não tinha conseguido comprar pois ainda estava tudo fechado, encostei-me à janela e ferrei! Acordei estremunhada, vi um nevoeiro denso e pensei que havia turbulência a mais! Afinal era a aterragem e o nevoeiro apenas ilusão da janela embaciada e resultado das nuvens escuras que ameaçavam chuva...e em Paris que estava um tempo óptimo! Desorientada, pedi informações no aeroporto de como chegar ao centro nem sabia bem onde pois não tinha nenhuma morada e aproveitaram para me informar que havia greve e que o meu percurso teria que ser ligeiramente mais complicado que o normal e envolvia autocarro e metro e troca de linhas...chegada ao centro, por volta das 8h30, deparei-me com um deserto...ninguém na rua, tudo fechado e um vento frio penetrante! Dei várias voltas e perguntei na única livraria aberta onde podia consultar a internet...parece que havia um sítio na estação de metro! Lá voltei e encontrei a morada da pousada, estudei o meu percurso e para lá me dirigi...ninguém fala inglês e foi por gestos que uma senhora me explicou como chegar à rua que lhe mostrei no mapa. Na pousada implorei por um banho, para acordar, e demorei-me horas debaixo do chuveiro...que bem que soube! Deixada a mala para trás fui apanhar ar e decidir o programa daquele dia.
Optei por começar na praça Sony. O sol queria espreitar mas as nuvens eram teimosas e o vento apenas aumentou ao longo do dia até chegar a ser insuportável! Estavam claramente a montar algumas coisas naquele recinto enorme, onde a principal atracção é uma cúpula gigante onde debaixo se agregam empresas, restaurantes e afins. Visitei a loja de um museu e demorei-me em frente à Legolândia, que optei por não visitar - se o Gonçalo quisesse íamos lá no dia seguinte. Segui a pé depois para o centro, para o ponto de encontro da bike tour, grátis (conceito inovador, vive à base de gorjetas uma vez que acreditam que qualquer viajante, independentemente do seu orçamento, deve ter acesso a uma visita guiada de qualidade), esperando encontrar um McDonalds, Quick, Pizza Hut ou outro fast food familiar! Pelo caminho visitei uma exposição dos ursos da tolerância, onde se alinhavam vários bonecos pintados pelos vários países das Nações Unidas mas onde não existia um de Portugal, e uma loja de souvenires onde iria posteriormente comprar a minha caneca. Fiquei também a conhecer o Brandeburg Gate, a história viria depois (se bem que não sou muito boa a decorar pormenores!) e o memorial do holocausto! Chegada na hora H ao ponto de encontro da bike tour ainda oiço a piada do nosso guia, americano bem engraçado e experimentado naquelas lides, "a visita hoje podia ser em português, temos tantos brasileiros!" A verdade é que apresentámo-nos todos imediatamente e foram a minha boa companhia durante o resto do dia.
Montados nas nossas mega bicicletas, só com o travão de mão do lado direito, e de pés, que só me faz confusão, ouvimos várias aulas de história! Ficámos a saber que o cheiro nauseabundo que se fazia sentir por vezes se deve ao facto de Berlim estar assente num pântano, e que o maior edifício, a torre de Televisão, projectada e construída por alemães, teve uma mãozinha dos suecos pois era demasiado instável, com a sua bola panorâmica no topo...isto foi um grande golpe para o orgulho deles!
Na ilha dos museus explicou-nos que a catedral imponente que lá se encontra apenas tem 100 anos e foi construída devido ao devaneio de alguém que queria ser enterrado em algo grandioso!; Que o palácio que outrora existiu - do qual sobre uma pequena fachada integrada noutro edifício e que estão a pensar reconstruir integralmente - deu lugar, na época do comunismo, a instituições públicas alojadas em prédios que foram votados 7 anos seguidos como os edifícios mais feios do mundo e estão agora abandonados.
Já na Praça onde queimaram os livros contemplámos o memorial que lá se encontra, uma sala inviolável e vista a partir de uma janela no chão, dentro da qual, se olharmos de lado, vislumbramos prateleiras vazias suficientes para albergar os 20.000 livros queimados antes da II Guerra Mundial, como protesto contra os judeus, e de cima vemos apenas o nosso reflexo. Segundo nos explicou, o memorial apela à tolerância, onde a sala inviolável representa a história que não pode ser mudada, e o reflexo o presente, onde podemos ser mais tolerantes e não deixar que aquela situação se volte a repetir. Ainda nessa praça, e tapada por um gigantesco cartaz da Vodafone, existe uma igreja, e ao lado a 2ª Ópera construída na Europa e refeita duas vezes pelo Hitler, após dois bombardeamentos. Ao fundo vê-se ainda a actual faculdade, que serviu em tempos para o irmão do rei dar à luz um herdeiro para o trono, pois consta que o rei era gay (um pequeno parêntisis para relatar a história que o guia nos contou acerca deste rei, severamente castigado pelo pai em miúdo por preferir ópera e tocar flauta a praticar a arte da guerra, e obrigada a assistir ao fuzilamento do seu amigo com quem havia fugido). Existe ainda um edifíco em remodelação e que alberga hoje em dia a biblioteca da faculdade de Direito.
Passámos pela Praça do Conhecimento a caminho do CheckPoint Charlie, assim chamado devido ao alfabeto militar. Aqui podemos ainda ver os remanescentes de parte do Muro de Berlim, que consistia não numa mas em duas paredes separadas por uma língua de espaço que poucos conseguiram atravessar. A parede principal, para além de alta e construída do dia para a noite por 40.000 soldados russos, era ainda reforçada por uma lombada redonda tornando quase impossível uma escalada sem ajuda a outros recursos. Os alemães tentaram de tudo, desde cavar túneis, construir balões ou disfarçarem-se de vaca... Corre ainda a história de um senhor que, tendo sido separado pela muralha da namorada, encontrou alguém muito parecido, levou-a de férias ao lado leste e abandonou-a, ficando com os documentos através dos quais conseguiu trazer a sua namorada de volta ao outro lado. Eventualmente acabou por ser preso por obstrução à liberdade...irónico, não? Tudo o que vemos neste local apenas turístico é forjado, a placa de boas vindas ao lado americano e russo, a imagem dos soldados que, de costas um para o outro, olham respectivamente para o lado inimigo, e existem mesmo pessoas disfarçadas em vestes da época e que, a pedido - e mediante pagamento! - carimbam o passaporte com o visto de entrada.
O frio era agora insuportável e eu e os brasileiros ficávamos cada vez mais para trás, a fazer a nossa própria visita! Passámos por um mural representando os ideais do comunismo, onde toda a gente, feliz, trabalha para um fim comum, e logo a seguir por uma pequena piscina com uma imagem impressa no fundo, retratando a realidade da época, onde toda a gente se sentia miserável. Conhecemos o local onde antigamente estava o bunker do Hitler e onde ele se suicidou, logo após ter casado com a Eva Brown, e onde hoje em dia não existem vestígios por não quererem transformar o sítio em local de culto. Chegámos ao memorial do holocausto, onde fizémos uma pausa para café, casa de banho e compras. O memorial é composto por mais de 2.000 blocos de cimento a diferentes alturas do solo, formando um autêntico labririnto - não fosse vermos a saída de qualquer ponto onde estejamos!... O autor não deu grandes explicações sobre o significado daquela obra mas convida cada um a perder-se e explorar os seus sentimentos entre todas aquelas paredes...
Quase no final da volta que já ia em quase 3 horas, chegámos à Praça de Paris. Em tempos idos os franceses conquistaram Berlim e desfilaram por aquela zona. Ali comemoraram a queda do Muro de Berlim, por ser o local onde a separação dos muros era mais larga, e o Michael Jackson baloçou o seu filho da janela de um hotel de esquina. Todos os prédios são mais baixos que o Brandeburg Gate, cuja estátua no topo não é já a orginal mas uma adpatada aos tempos modernos e portadora de outros símbolos. Aqui será ainda a morada da nova embaixada dos EUA, em construção, e da actual de França.
Continuámos para o penúltimo ponto da visita, o Reichstag, à frente do qual ouvimos uma história sobre a subida e queda do poder de Hitler e do seu regime cujos pormenores não recordo. Sentados na relva, quase no pôr do sol, o frio começava a ser insustentável e o cansaço da directa evidente. A caminho do ponto de partida passámos pela terra de ninguém, zona graffitada e prédios de ocupas. Dadas as gorjetas e feitas as despedidas, eu, os brasileiros e uma americana fomos jantar a um restaurante ali ao lado, tailandês, coma à vontade por 6,50€, em cadeiras de baloiço, enrolados em mantas e aquecidos por aquecedores de pé a gás. Uma maravilha!!!
Despedimo-nos à porta do restaurante com planos de nos voltarmos a encontrar depois de eles irem buscar casacos a casa e eu, o Gonçalo à pousada. Lá fui eu, quanse sem olhar para o mapa que já me sentia quase à vontade no meio daqueles nomes e linhas, e encontrei o Gonçalo à minha espera, depois de ter vindo de táxi à boleia. A ideia era irmos todos fazer uma tour de photos by night, mas os brasileiros optaram por ir para um bar. Eu acompanhei o Gonçalo ao centro e pelo caminho fui-lhe explicando alguns dos factos que tinha sabido naquele dia pela boca do guia, e debati-me mais uma vez com a vontade de ficar e acompanhar o Gonçalo e com o convite dos brasileiros. O frio extremo e o cansaço falaram mais alto, afinal já estava a chegar às 40h non stop, e fiz uma bela caminhada até ao nosso quarto, que partilhávamos com uns quantos hóspedes...segundo o Gonçalo, apesar do cansaço falei com um que entrou a meio da noite, em inglês, para lhe pedir para abrir a janela, mesmo estando um frio de rachar!
Dimanche, le 16 septembre
Na manhã seguinte acordámos bem cedo para visitar o Reichstag por dentro. Parecia que tinha levado um coça, doía-me o corpo todo, pés inchados, a pele estava dorida do frio da noite anterior e das poucas horas de sono! Depois de um pequeno almoço reforçado juntámo-nos à fila já considerável e esperámos a nossa vez para subir ao topo daquele edifício e contemplar toda a cidade. A cúpula, completamente moderna e em contraste com o edifício de traços antigos, é impressionante e a vista vale a pena. Daí visitámos novamente o memorial do holocausto e entrámos no museu de tributo às vítimas, americano mas muito bem conseguido. A pé fomos até à praça Sony, a caminho da qual revisitámos a exposição dos ursos e a loja de souvenires. Deparámo-nos com uma enorme feira dedicada aos mais pequenos, de certeza um dia muito importante para eles! Havia fardos de palha para eles treparem, cabrinhas, piscinas de cereais, todo o tipo de barraquinhas de comida biológica onde se explicavam os princípios e vantagens de fabrico, tiro ao alvo, trabalhos manuais, pinturas faciais, etc., etc., etc...eu e o Gonçalo entrámos no espírito e fizémos uns bolinhos com as nossas próprias mãos que estavam óptimos, depois de cozidos no forno, comemos algodão doce e salsichas e perseguimos os bonecos da Legolândia, Nickelodeon e outros! Muito engraçado mesmo, acho que arranjava paciência para lá ficar o dia todo!
Mas não tínhamos todo o tempo do mundo e, ainda a pé, seguimos para o CheckPoint Charlie onde expliquei tudo o que sabia ao Gonçalo. Aproveitámos para ver tudo com mais calma, os restos da muralha, as imagens dos soldados. O ponto seguinte, já de metro, era o Wall Monument, onde ainda é conservado uma parte do Muro de Berlim, e a respectiva exposição com filmes da época muito interessantes mas que não pudémos ver até ao fim. Voltámos à tal zona sem lei, e entrámos no prédio com pior aspecto, onde as paredes não têm espaço para mais nenhum grafiti e onde os andares são, actualmente, ocupados por galerias de arte e um bar. Almoçámos uma vez mais no centro comercial da estação e continuámos pela praça onde queimaram os livros, até à ilha dos museus. Entrámos na Dom, que visitámos de cima a baixo ao som de um concerto, e dormimos a sesta merecida na relva, ao solinho. Vimos por fim a Rathaus e entrámos na tenda montada em frente, que albergava o típico restaurante da bavária! Tivéssemos sabido e teríamos almoçado ali e juntado a nossa caneca a tantas outras e as nossas vozes às da multidão. Prevenidos, desta vez optámos por ir cedo para o aeroporto e, de malas às costas, fizémo-nos ao caminho. Com mais de uma hora de tempo para queimar, o Gonçalo obrigou-se a comer uma salsicha até ao fim e eu tentei-me com o Cindy's Dinner...valeu-nos o Harry Potter e as palavras cruzadas para ajudar a passar a o ligeiro atraso do avião! Reflectindo na viagem, achei a cidade um pouco descaracterizda: vive muito da história actual e o facto de os edifícios terem sido todos reconstruídos recentemente dá a sensação que lhes rouba um pouco de história, despersonalizando-os. No entanto, é muito simpática e não fosse o frio, acolhedora! A culpa é das expectativas elevadas, já que tanta gente me tem dito que Berlim é a sua cidade preferida! Ah, e adorei os semáforos dos peões! :D
Paris recebeu-nos com uma noite quente! As nossas visitas, ainda em Paris, chegaram depois de nós, perto da 1h da manhã, e foi o tempo de marcar o táxi e dormir para repôr as horas em falta!
1 comentário:
"A primeira bomba que caiu em Berlim matou o único elefante do Jardim Zoológico... :("
Depois de ler esta frase a imagem que percorrer o meu pensamento é a do início do Underground de Emir Kusturica...
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